MAGNO RIBEIRO
O poeta é um fingidor, finge tão completamente, que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente
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Textos

O BARCO QUE CHAMAMOS DE NÓS

 

Caminho antes do sol nascer,

antes do riso,

antes do pão.

 

Sou o que vela sem sono,

o que sonha sem som.

 

Carrego nos ombros um projeto que é de todos,

ainda que, às vezes, se perca no marasmo.

Um plano que ora avança, ora estagna,

como se aguardasse outras mãos que o despertassem por inteiro.

 

Tenho certeza do amor que me devotam:

ele pulsa nas mãos que me abraçam,

nas palavras que me envolvem,

nos gestos que me acolhem.

Mas só o amor, embora seja o alicerce que me sustenta,

não constrói sozinho.

não move o tijolo,

não acende a lâmpada,

não afasta o vazio.

 

Sou marido, sou pai, sou avô,

sou rama que se estende em outras vidas,

um tronco cujos frutos expandem e florescem,

envolvendo ainda mais relações entrelaçadas,

como um círculo que cresce para além do que posso abarcar.

 

E em cada papel, entrego o que tenho e o que sou,

mas percebendo que grande parte do esforço vai

para o que os sonhos individuais deles exigem,

enquanto o que nos conecta,

o projeto de todos,

recebe porções menores,

restos que ainda tento transformar em alicerce.

 

Não é por desatenção, bem sei,

nem por falta de percepção...

Eles sentem o peso do que carrego,

mas há um instante em que o coletivo e o individual

se separam como o dia e a noite.

O coletivo às vezes surge, afaga,

mas logo se dissipa como o vento,

e resta a mim cuidar, com paciência e afeto,

do barco que juntos chamamos de “nós”.

 

A esperança que têm em Deus é genuína e preciosa,

mas por si só não atrai pás, tijolos e concreto.

Lei sagrada já diz:

“Esforça-te... e ajudar-te-ei.”

A esperança pode iluminar o caminho,

mas é no labor da jornada

que as pedras se tornam casa,

e que o esforço se transforma em milagre.

 

E em meu esforço, muitas vezes encontro solitude.

Nos instantes em que tudo parece imóvel,

recolho-me em silêncio,

não para desistir,

mas para respirar e prosseguir.

 

Sou aquele cuja ausência

não se percebe até o instante que falta.

Sou um pilar algumas vezes invisível,

mas tão essencial quanto o teto sobre suas cabeças.

E mesmo com todas as ausências que vivo em mim,

meu coração transborda pelo amor que recebo,

amor que silencia o cansaço,

que me ergue e me acolhe.

 

Tudo isso [este amor coletivo e único,

feito do que chega e do que volta]

é o que me faz seguir em frente.

Sigo porque acredito,

porque meu objetivo, ainda que desafiado,

nunca deixa de ser permanente.

 

Quando parece que tudo parou,

quando o impossível espreita,

é nele que me apoio.

Mesmo que o sonho tropece,

mesmo que as marés pareçam contrárias,

continuo, porque esse sonho permanece nosso,

e porque dentro dele está o amor,

que nunca deixa de ser meu horizonte.

WITTEMBERGUE MAGNO
Enviado por WITTEMBERGUE MAGNO em 31/07/2025
Alterado em 01/08/2025
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