FORJADO NA LÂMINA DOS CONTRÁRIOS
A vida, esta lâmina de dois gumes,
não se curva ao desejo de um só lado.
Há luz que cega,
e sombra que revela.
O tempo, senhor de silêncios e sopros,
mas também de barulhos e explosões,
esculpiu seus traços em mim
com mãos ora de ferro, ora de vento.
Não me ensinou a vencer, ensinou a resistir.
Não nasci para ser imune,
mas inteiro.
E ser inteiro é conter rachaduras
sem perder a solidez.
Em tempos de aço e ausência,
aprendi a fazer das perdas
alicerces,
das dúvidas
caminhos,
das dores
sentido.
Não rejeito as pedras:
recolho-as.
Com elas construo silêncios
que confortam,
e também ruídos
que despertam.
Firmo-me como chão discreto,
não por virtude de firmeza,
mas por ter aprendido,
no atrito entre quedas,
a não me romper.
Ser é aceitar o inacabado.
É reconhecer o que fere
e ainda assim seguir.
É não temer o caos,
mas aprender seu ritmo.
Já não busco perfeição,
mas a verdade que pulsa
no imperfeito.
Não meço valor por vitórias,
mas pela coragem
de recomeçar sempre
que tudo desmorona.
Porque viver
não é evitar a queda,
é cair com tal inteireza
que até o chão, sob o peso,
me faça a fôrma.
E dessa fôrma,
nasça a forma
que me molda
e me impele
a seguir.