MEDIDAS DO SER
Sê introspectivo,
não para te ausentares do mundo,
mas para poder voltar com olhos lavados.
A solidão, quando escolhida, é jardim.
Mas quando imposta, vira cárcere.
Sê crítico,
porque só os que duvidam é que andam.
Mas não te deixes azedar por dentro:
a acidez é o cansaço da alma
que não encontrou modo de amar sem engolir espinhos.
Sê cético, sim,
pois crer demais é esquecer de pensar.
Mas guarda cuidado com o desdém,
o descrente amargo não é livre:
é apenas um crente ferido
que fez da decepção um abrigo.
Sê complicado,
porque o real não cabe em fórmulas.
Mas não uses tua profundidade
como desculpa para não escutar.
Mesmo os labirintos têm portas.
Mesmo o enigma tem música.
Sê sincero,
mas lembra que a verdade não é uma lança.
Às vezes, ela se diz com os olhos,
com o silêncio,
ou com o tempo que se espera antes de responder.
Sê veemente,
mas nunca confundas paixão com guerra.
O mundo já tem brasa demais,
o que falta é o calor de um verbo inteiro,
dito sem ferir a pele de ninguém.
Sê grave,
não por sisudez, mas por amor ao mistério.
Porque há algo sagrado no que é difícil de nomear.
Mas não te tornes iracundo,
a ira é o grito de quem não suportou a densidade
e estilhaçou tudo ao redor.
Sê alegre,
mas não por distração.
A leveza mais bela
é a que conhece o peso das coisas
e ainda assim escolhe dançar.
Sê triste, sim,
mas de vez em quando, e que tua tristeza não coalhe em rancor.
Deixa que ela desça aos porões
como quem visita um velho amigo
que ficou no escuro, mas ainda canta.
No fim, talvez a virtude não esteja no meio,
mas no compasso,
no pulso de quem caminha atento
entre o que sente e o que escolhe.
Não é equilíbrio imóvel,
mas movimento lúcido.
É o saber-se vulnerável
sem perder a inteireza.
Porque viver não é encontrar o ponto exato,
mas seguir afinando o tom
até que o ser soe claro,
mesmo em meio à dissonância.