MAGNO RIBEIRO
O poeta é um fingidor, finge tão completamente, que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente
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CICLOS

 

Para entender o tempo,
olho as nuvens não como formas,
mas como desistências.
Elas não permanecem.
Nem pedem permanência.
São passagens,
como as palavras que não dissemos
e ainda assim mudaram tudo.

 

O tempo não tem margens.
É mar não para navegar,
mas para afundar-se com ele.
Afunda-se no instante,
sem promessa de volta.
E as nuvens,
filhas do mar que se ergue em silêncio,
são o tempo suspendendo sua própria matéria.
Nascem da evaporação do abismo,
sobem em bruma, se condensam em forma,
mas jamais se fixam.
São as nuvens,
o céu devolvendo à terra
o que recebeu do mar em gotas de chuva,
em torrentes que desabam,
em rios que retornam ao ventre do mundo.

 

Chovem sobre o que já foi,
para que o tempo retorne
em outros corpos,
outras marés,
outras perdas.
Assim o instante gira:
evapora, condensa, desaba,
recomeça sem jamais se deter.

 

E então compreendo:
sou feito da mesma dança
que existe entre nuvens e mar.

 

Assim como o mar se oferece ao céu
em vapor silencioso,
minha pele também se desfaz no tempo.
E como as nuvens que se formam lá no alto
e depois caem de volta à terra,
meus gestos se condensam,
minhas lembranças se precipitam
em silêncios que tocam o chão.

 

Nada em mim é fixo.
Tudo muda como as marés que recuam e avançam,
como as nuvens que surgem e desaparecem
sem jamais serem as mesmas.
Até o que penso ser rotina
segue esse ciclo:
os encontros, as falas mal-ditas, os fracassos,
tudo flui, tudo retorna
com outra forma, outro peso, outra luz.

 

A gente insiste em decidir,
traçar rotas, escolher caminhos firmes,
mas o mar não tem trilhas,
as nuvens não pedem direção.
A vida, como eles,
não se constrói no controle,
mas na entrega.

 

Porque o que é vivo, como a água,
não se prende, se move.
E entregar-se não é render-se,
é tornar-se parte do movimento.
É ouvir o tempo que se ergue no ar,
aceitar as marés que nos levam
sem sempre explicar para onde.

 

A quem pede céu limpo,
a vida responde com névoa.
A quem evita as ondas,
ela entrega o fundo do mar.

 

Mas é nesse fluxo
entre evaporação e queda,
entre impulso e retorno,
que a existência revela seu sentido.

 

Somos como as nuvens,
erguemo-nos sem saber
em que forma voltaremos.
E como o mar,
acolhemos o que retorna
sem exigir explicação.

 

A vida não é fardo ou disputa,
mas um sopro em movimento,
que muda de contorno ao sabor do tempo,
como o vento que passa
sem precisar ter destino.

 

Quem pressente esses ciclos
já não pesa o que parte,
nem se agarra ao que chega:
acolhe a dança da impermanência,
como quem, ao olhar o céu,
reconhece em si
a beleza de ser nuvem.

 

WITTEMBERGUE MAGNO
Enviado por WITTEMBERGUE MAGNO em 03/08/2025
Alterado em 04/08/2025
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