MAGNO RIBEIRO
O poeta é um fingidor, finge tão completamente, que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente
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ESPELHO, JUIZ DE MIM

Sou eu quem te vê
não como desejas, mas como és.
Não te escoras em mim para ilusão,
porque em mim não há filtro, só verdade.

 

Não me encaras de todo.
Teus olhos, tensos de não sei quê,
me sondam, depois recuam
como se pudessem me desmentir com o fechar fugaz dos olhos.

 

Mas não fujo.
Sou tua face mais sincera,
a mais honesta entre nós dois,
aquela que não se curva ao gesto ensaiado
nem à história que contas aos outros.

 

Vejo que finges te olhar,
mas sei: procuras no espelho não a ti,
e sim a face que maquias para o mundo,
o traço firme, a beleza ensaiada,
o disfarce que supões suficiente.
Mas não podes fingir diante de mim:
a decisão evitada,
a palavra não dita,
o silêncio imposto por orgulho
e a vontade torpe que ainda escondes
de fazer de novo.

 

Vejo tua coragem côncava,
teu riso de conveniência,
teus perdões vencidos no prazo.

 

Tu, que me olhas como quem indaga,
esperando talvez clemência,
sabes que em mim não há esquecimento.
Guardo tudo.
Até o que escondes de ti.

 

Tuas marcas não são de idade.
São de omissão.
De noites em que traíste tua inteireza
só para caber no molde de outro.

 

E agora me encaras assim, de soslaio,
como quem teme ouvir o que já sabe:
que não é o tempo quem te desgasta,
mas o fingimento.

 

Não te envergonhes por mim.
Envergonha-te por ti.
Sou apenas o espelho.
E no que não nego, te revelas inteiro.

 

Vai, se fores capaz de partir de ti mesmo.
Mas lembra: sou a porta que não se fecha,
o espelho que não se esquece.
E tu, se voltares inteiro,
talvez, pela primeira vez, te encontres.

WITTEMBERGUE MAGNO
Enviado por WITTEMBERGUE MAGNO em 04/08/2025
Alterado em 04/08/2025
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