ENTRE O QUE CEDE E O QUE RESISTE
Não sou raiz presa ao mesmo chão,
nem voo que se perde no sem-fim do horizonte.
Sou corrente que, como quem procura abrigo,
despenca em quedas d’água contra a rocha,
para, desfeita em espuma,
seguir seu rumo.
Não sou calmaria sem fim,
nem tempestade que tudo devasta.
Sou o vaivém das marés,
beijando a costa como quem se despede
e voltando como quem teme esquecer o caminho.
Não sou pedra imóvel na colina,
nem areia que o vento dispersa.
Sou rocha que se deixa esculpir pela chuva,
mas que, como quem guarda o fôlego,
abriga no íntimo o fogo vivo de um vulcão adormecido.
Não sou só líquido que se molda,
nem só sólido que resiste.
Sou ainda gás que escapa por frestas invisíveis,
como quem não aceita fronteiras.
E, quando um se nega, o outro se confirma,
fluindo, endurecendo, evaporando,
num ciclo que nunca se resolve.
Não sou o silêncio do ninho vazio,
nem o alvoroço de pássaros em travessia, eles passarão…
e eu, passarinho, sou a andorinha que pousa à beira do abismo,
ouvindo o próprio canto se alongar no sopro do tempo.
Com o destino escrevo, a quatro mãos,
o roteiro das estações que me atravessam:
construção e desmoronamento,
fartura e seca, calmaria e vendaval.
E, como quem se contempla no espelho partido,
sorrio de nós, este eu que se afirma e se nega,
um só ser feito de forças opostas que cedem e resistem.