Seu Jotha, meu pai
Há nomes que não se pronunciam apenas com a boca. Eles se dizem com o coração. O dele é assim: Jotha. Digo e ele está aqui. Inteiro. Vivo. Não como sombra que ficou para trás, mas como presença que segue, moldando o que penso, sinto e faço. Seu Jotha, meu pai, não era de um só tom. Era orquestra e silêncio. Era tempestade e bonança. Era ternura que abraçava e firmeza que sustentava. Sempre com o amor que ele aprendeu a decifrar como sendo amor, mesmo quando nem eu conseguia compreender.
Homem de fé acesa. Não porque alguém lhe disse que assim deveria ser, mas porque caminhava em intimidade com Deus. No seu oratório de madrugadas, que chamei de “cantinho do encontro”, sem paredes fixas e sem território marcado, pois ele o erguia onde quer que a noite o encontrasse, incontáveis vezes meu nome foi levado ao céu em suas orações. Vejo, na memória, sua voz rompendo o silêncio da noite, com a certeza de quem confia e ama sem medida.
Entre nós, houve dias de sol abundante, em que o riso era o pão que repartíamos, e houve dias de neblina densa, em que cada palavra parecia precisar atravessar um rio profundo para chegar ao outro lado. Mas em todos eles havia amor, às vezes explícito no abraço que não se negava, outras vezes velado na presença que só o tempo me ensinou a ler.
Seu Jotha, meu pai, foi rocha nos dias incertos. Sombra fresca quando o calor da vida era insuportável. Farol nas noites sem estrela. Não porque fosse intocável, mas porque, mesmo ferido, ficava de pé. E ali, de pé, me ensinava que a dignidade é também um ato de resistência.
A herança que recebi de seu Jotha, meu pai, não é feita de bens que o tempo corrói, mas de valores que o tempo não pode roubar: coragem para tentar, dignidade para se levantar e amor mais demonstrado que declarado. Recebi também outras heranças que, à primeira vista, poderiam não parecer tão boas, sombras que, na imperfeição, se tornaram armadura para enfrentar dias difíceis. E guardo tudo isso como um mapa íntimo, que aponta meus passos e inspira os que convivem comigo.
E então, nesse ponto onde a saudade se encontra com a gratidão, e o amor se mistura com a memória, anseio que, quando meus passos cessarem, os meus também possam dizer, não com palavras ensaiadas, mas com a verdade do sentir, que fui presença e não ausência, que dei mais do que instruí, que amei mais do que esperei retorno, que escutei mais do que impus silêncio, e que, como ele, fui rocha e abrigo, desafio e ternura.
Porque a eternidade de um pai não está em ter seu nome dito todos os dias, mas em ser sentido nos dias em que ninguém o diz. E se hoje sou caminho para os que amo, é porque antes fui conduzido pelos passos firmes e humanos de seu Jotha, meu pai.
Entre o que recebi e o que entrego, vive essa herança invisível: presença que não parte.
E assim, como seu Jotha, meu pai, foi, desejo que um dia eu seja lembrado pelos que gerei, no corpo e no afeto, e pelos que destes foram e vierem a ser gerados, por cinco virtudes que reconheço nele e quero perpetuar: justiça, generosidade, coragem, constância e ternura.