MAGNO RIBEIRO
O poeta é um fingidor, finge tão completamente, que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente
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PRESENÇA QUE NÃO PARTE

 

Ficou em mim o retrato impreciso
de um homem que era muitos,
ora brisa que acolhia,
ora vento que desafiava.
Nem sempre previsível,
nem sempre sereno,
mas ainda vivo em traços que o tempo não dissolve.

 

Nunca se apagou,
e ainda me comove,
a imagem firme que deixou no tempo,
o olhar denso de silêncios contidos,
o gesto ora afável, ora duro,
como quem aprendeu a ser pai
enquanto era também filho da própria dor.

 

Nem sempre fomos um,
e é preciso dizer isso com ternura.
Houve dias de embates,
visões que seguiam por margens opostas,
mas do mesmo rio.
Mesmo nas discordâncias,
sua presença era ponte,
nunca abismo.
Com o tempo, compreendi que o amor profundo
não exige espelho,
exige constância.

 

E fui constante.
Fui aquele que escutou o que muitos não ouviram,
confidente involuntário de angústias caladas,
guardião de segredos que não pediam resposta,
mas exigiam presença.
Ali estive,
não como juiz,
mas como filho inteiro.

 

E ele, em retribuição silenciosa,
também me ouviu.
Não nos tempos da infância,
mas na maturidade do vínculo,
quando já não havia mais papéis rígidos,
mas dois seres humanos,
despidos de hierarquia,
conversando com a alma exposta.

 

Foi rocha nos dias incertos,
norte nos dias nublados,
sombra e claridade.
Não por ser imbatível,
mas por saber
erguer-se com dignidade
quando o mundo lhe negava o chão.

 

Foi abrigo e desafio,
silêncio e conselho.
Cada papel com sua importância,
cada ausência ensinando
tanto quanto a presença.

 

Hoje, caminho sem seu toque,
mas com a marca que deixou
como quem carrega uma bússola invisível,
gravada na carne do espírito.

 

E mesmo após realizar a grande viagem,
não se fez ausência.
Passou além do tempo,
mas permanece, sutil e inteiro,
na essência que me move.

 

No que sou, no que luto, no que amo,
há sempre algo dele pulsando em mim.
Mas também no que hesito, no que me excedo,
no que erro por vaidade ou dureza,
há vestígios seus,
não como sombra de falha,
mas como testemunho de sua humanidade.

 

É o gesto que repito sem perceber,
a lembrança que me adverte,
a firmeza que ofereço
e a ternura que aprendi
a dar sem desejo de retorno,
mas por íntima herança.

 

Ele foi intensidade e retidão,
contraste e coerência,
força silenciosa,
amor que se ensinava mais nos atos que nas palavras.
Deixou em mim um legado de inteireza,
a coragem de tentar acertar
mesmo quando se tem medo de errar.

 

E como ele foi, anseio que
quando meus passos cessarem,
os que nasceram de mim,

pelo corpo ou pelo afeto,
e os que dos que nasceram de mim nascerem,
Que possam me lembrar com verdade:
não como ausência,
mas como paradigma
do que vale seguir,
e do que merece ser reinventado.

 

Que saibam que dei mais do que instruí,
que amei mais do que esperei retorno,
que escutei mais do que impus silêncio,
que acolhi mais do que corrigi,
e que fui, à minha maneira,
rocha e abrigo,
desafio e ternura,
presença e legado.

 

Que eles sintam, como eu sinto agora,
que a eternidade de um pai
não está em ser lembrado sempre,
mas em ser sentido
quando ninguém está falando o seu nome.
Porque há vínculos que o tempo não desfaz,
e nomes que seguem sem ser ditos.

 

E se hoje sou caminho para os que me são caros,
reconheço, com gratidão silenciosa,
que antes fui conduzido por seus caminhos.
Entre o que recebi e o que entrego,
vive essa herança invisível:
presença que não parte.

WITTEMBERGUE MAGNO
Enviado por WITTEMBERGUE MAGNO em 10/08/2025
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