A BIFURCAÇÃO INVISÍVEL
Há quem acorde todos os dias sob o mesmo teto, com a mesma rotina e os mesmos rostos, e se sinta sufocado. E há quem desperte atrás de muros altos, cercado por ferro e vigilância, e, ainda assim, respire como se o mundo inteiro coubesse no peito. Mahatma Gandhi, com sua lucidez de quem enxergava o essencial, escreveu: "A prisão não são as grades, e a liberdade não é a rua; existem homens presos na rua e livres na prisão. É uma questão de consciência."
Essa ideia, tão simples quanto cortante, parece inverter a lógica que aprendemos desde cedo. Crescemos acreditando que a liberdade é um espaço físico: poder ir e vir, escolher a hora, o rumo, o destino. Mas, quando olhamos de perto, vemos que muitas dessas estradas abertas conduzem a becos internos, onde o medo, o desejo e a vaidade constroem muralhas mais altas que qualquer penitenciária.
Há quem viva preso à opinião alheia, medindo cada passo pelo olhar dos outros. Quem se acorrente ao trabalho por medo da incerteza, e quem se algeme a relacionamentos que já se tornaram ruínas. E tudo isso acontece sob o sol, em ruas largas, cercado de vento e céu, mas dentro de uma cela invisível.
Por outro lado, há aqueles que, mesmo em reclusão, preservam a liberdade mais preciosa: a de pensar, sonhar e escolher o sentido das próprias dores. Homens e mulheres que, privados do mundo exterior, caminham por mundos interiores que ninguém pode confiscar.
O cárcere físico é uma realidade dura e concreta. Mas o cárcere da consciência, este que se constrói em silêncio, sem sentenças ou algemas visíveis, é mais sutil, e talvez mais cruel. É o tipo de prisão da qual não se foge correndo: só se escapa despertando.
No fim, liberdade e prisão não são geografias, mas estados da alma. A rua pode ser um presídio, e a cela, um campo aberto. Mas existe uma bifurcação quase invisível, onde o preso livre e o liberto preso se encontram. O primeiro carrega o corpo cercado, mas a mente solta; o segundo passeia sob o céu aberto, mas o pensamento cativo.
É nessa bifurcação que algo maior se insinua, discreto, como uma brisa que não anuncia de onde vem. Não muda o status das paredes, nem redesenha mapas, mas dissolve as distâncias. Ali, não há dentro nem fora, superior nem inferior. Apenas a presença suave, que alguns chamam de Deus e outros de mistério, e que não exige explicação.
Nesse instante, o preso livre e o liberto preso deixam de ser opostos. Tornam-se apenas seres diante de um mesmo horizonte silencioso, onde grades e ruas se confundem, e a liberdade deixa de ser questão de lugar para se tornar, simplesmente, eternidade.