A Hora: Porque a Alma é Divina e a Obra é Imperfeita
(Inspirado em Fernando Pessoa, Mensagem)
A vida, esse ofício obscuro de ser, parece muitas vezes uma peça mal ensaiada. Tropicamos nas falas, esquecemos as entradas e raramente acertamos os gestos certos diante do palco da existência. E ainda assim, continuamos. Há algo em nós que insiste, que pulsa, que arde como se uma centelha antiga nos sussurrasse que, mesmo na imperfeição, há um sentido maior.
Fernando Pessoa, em Mensagem, disse com clareza cortante: “A alma é divina e a obra é imperfeita.” Nesse breve sopro de palavras, ele nos entrega o cerne da natureza humana. Nascemos com essa contradição tatuada no ser: o anseio pelo sublime e a prisão no limitado. Desejamos tocar o eterno, mas tropeçamos nas urgências do cotidiano; sonhamos com pureza, mas somos feitos de barro e dúvida.
E no entanto, apesar dessa falha estrutural, há em nós uma vocação para o além. Pessoa sabia disso. Seu livro, mais do que exaltar heróis e mitos portugueses, é uma convocação da alma, não do corpo da nação, mas da essência de cada ser humano.
“É a hora!”, diz ele.
E se ouvirmos com atenção, perceberemos que esse brado não é apenas um chamamento histórico. É o eco de uma verdade íntima: é sempre a hora de realizarmo-nos, de ousar ser, de libertar do medo a grandeza escondida. É a hora de responder àquilo que a alma pede, mesmo quando o mundo silencia ou ri.
Viver, no fundo, é esse esforço constante de trazer à luz o que em nós ainda dorme. “Cumprir-se”, como diz Pessoa, é mais do que atingir objetivos. É alinhar-se com a própria centelha divina, mesmo que os gestos sejam miúdos, os dias comuns e os fracassos inevitáveis. É transformar o agora, o aqui, o possível, não por vaidade, mas porque, como disse o poeta, “Tudo vale a pena se a alma não é pequena.”
Há uma esperança feroz nas páginas de Mensagem. Não a esperança ingênua de que tudo dará certo, mas a esperança profunda de que, mesmo que não dê, valeu a pena tentar ser inteiro. Que mesmo com a obra imperfeita, a tentativa é sagrada.
Pessoa sabia que o homem é, por natureza, incompleto. E talvez por isso tenha escrito: “Quem quer passar além do Bojador / Tem que passar além da dor.”
É nesse risco que mora a verdadeira humanidade, não na segurança do conhecido, mas na coragem do salto.
A natureza humana, então, é esse movimento paradoxal: divina no querer, falha no fazer. Mas ainda assim, digna. Porque é no esforço, na busca, na queda e na retomada que o ser humano escreve sua Mensagem.
E se hoje a vida parece apagada, pequena, sem chama, talvez seja a hora. A hora de recomeçar. A hora de erguer do chão a alma esquecida. A hora de ouvir, no silêncio do próprio peito, o eco antigo do poeta: “É a hora!”