MAGNO RIBEIRO
O poeta é um fingidor, finge tão completamente, que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente
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Geografia de mim

 

Nasci no mapa do Rio Grande do Norte, em Brejinho, um ponto pequeno, quase uma distração no traço largo do país. Mas não fui plantado. Fui vento, mesmo sem saber. Desde cedo, tudo em mim já era movimento, sonho e estranhamento. Nunca senti o chão daquela terra como promessa ou porto. Cresci atravessando paisagens, geografias e vontades, como quem já sabia que a permanência era um engano educado.

Meu pai, homem de ideias vastas, não queria ser apenas um entre tantos. Queria saber tudo. Um influenciador de vocações que nunca se permitiu viver a própria. Tinha sede de mundo e fome de sentido. Na hora de me nomear, buscou mais que sons bonitos. Pesou símbolos como quem esculpe destinos. Deu-me, primeiro, o nome de um castelo. Firme, erguido sobre pedra e espera, como quem diz: seja abrigo e fortaleza. E depois, o nome de um príncipe que se tornou rei. Como se dissesse, em silêncio, que a grandeza começa quando a gente não se contenta com o que lhe foi dado.

Minha mãe, mulher de silenciosa lucidez, orbitava essas decisões como quem observa o tempo. Sabia quando calar, quando aprovar com um gesto ou reprovar com a ausência dele. Foi presença coadjuvante, mas nunca apagada. Era a pausa entre as frases, o ponto que sustenta a frase longa.

Ao contrário de muitos, não fui menino de barro e chinelo gasto. Fui um sonhador descalço de certezas, mas calçado de ambição. Desde muito cedo, pensei grande. E pensar grande num lugar pequeno é, de algum modo, já começar a partir. A imaginação me levava antes que meus pés soubessem o caminho. Enquanto outros se desenhavam no chão, eu riscava horizontes.

Fui deixando Brejinho sem nunca ter me apropriado do que era ser dali. Saí sem peso, sem raízes emocionais que me puxassem de volta. E ainda hoje, embora a palavra origem me aponte aquele ponto no mapa, não me sinto pertencente. Brejinho mora em mim como mora uma data de nascimento. Algo que diz de onde vim, mas não diz quem sou. Está dentro, mas distante. Presente, mas não próximo.

Minhas rotas não se converteram em conquistas vistosas. Os troféus que imaginei ficaram, muitos, nas vitrines da ideia. Mas aprendi, com o tempo, que há grandeza em conhecer o caminho, mesmo que o destino escape. Porque há um tipo de vitória silenciosa em não desistir. E se é verdade que muitos buscam chegar, eu sigo buscando entender por que continuo indo.

O não conformismo do menino do brejo ainda não encontrou parada. Talvez nunca encontre. Porque há em mim uma inquietude que nem o tempo consegue domar. Um desejo que não se satisfaz com o conforto nem com os ares de vitória provisória. É como se a busca fosse, ela mesma, a minha morada.

E é por isso que, mesmo com Brejinho lá atrás, no mapa, no tempo, na pele antiga do menino que fui, sigo em frente. Com os pés firmes, os olhos acesos, e aquele velho sonho do meu pai guardado no peito. Ser castelo e ser rei. Ainda que o castelo e o reino seja o caminho.

 

WITTEMBERGUE MAGNO
Enviado por WITTEMBERGUE MAGNO em 23/08/2025
Alterado em 23/08/2025
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