O DIREITO DE MORRER MENINO E POETA
Antes que meu corpo se torne abrigo
para dores que já nada ensinam,
e meus ossos esqueçam a dança
dos ventos que um dia inventaram o voo,
suplico ao Mistério, sim, a Deus,
ali onde o silêncio toca o intangível:
faz de mim um menino que escreve.
Mas não qualquer menino:
aquele que escreve como quem descobre
que a palavra é brinquedo e revelação,
que como meu neto,
rabisca o mundo de dentro pra fora
e chama de verso tudo o que sente.
Ser menino, mesmo sendo velho,
é recusar o cansaço do previsível,
é ter nas mãos enrugadas
a coragem de ainda se espantar.
Quero o erro que convida à mudança,
a rima que escapa como gargalhada súbita,
o sopro da rua e a luz das palavras
batendo nas janelas da rotina.
Quero perder a hora,
ganhar a pressa das ideias,
sentar no meio-fio da tarde
e escrever como quem voa baixo.
Permite-me, Deus,
a contradição dos poetas,
que choram e riem na mesma sílaba,
e ensinam sem sabê-lo,
como um filho que erguia uma concha
e chamava de nave.
Faze-me leve, mesmo quando a pele pesar.
Faze-me verbo, mesmo quando o mundo ensurdecer.
E quando for, porque há de ser,
que meu corpo enfim se despeça do tempo,
e não me levem como quem se vai vencido,
mas como quem, até o fim,
teve nos olhos o susto da primeira manhã.
Que eu não parta sábio, nem velho,
mas menino e poeta.
No Post, Sinopse da minha Prosa Poética “O direito de morrer menino e poeta”. No fundo, a obra Três músicos de Pablo Picasso.