MAGNO RIBEIRO
O poeta é um fingidor, finge tão completamente, que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente
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Textos

O que desejo ainda não tem nome
(poema inspirado na crônica homônima que compus:
Crônica: O que desejo ainda não tem nome)

 

A manhã nasce sem pressa,
um segredo morno entre a noite e o dia,
como se o tempo soubesse
que há silêncios que não se rompem, se habitam.

 

A luz escorre pelas frestas
como se lembrasse de algo antigo.
Não é ausência o que ouço,
mas um murmúrio do que ainda não ousou ser dito.

 

Os que dormem, sonham.
Uns navegando serenos sobre águas calmas,
outros perdidos em neblinas
onde os sonhos se confundem com grades delicadas.

Há um universo em repouso
aninhado no tecido invisível da madrugada,
e eu desperto dentro dele, sem ser notado.

 

Mas sei que, em algum canto da cidade,
há olhos que já se abriram por necessidade.
Gente que acorda para sobreviver,
que enfrenta a matemática do pão
e o medo que se esconde nas esquinas.
Para alguns, a aurora é trincheira.

 

Aqui, apenas os pássaros sabem.
Cantam não por descuido,
mas por uma sabedoria antiga
que entende o peso das coisas
e, ainda assim, escolhe a leveza.
Celebram o simples: estamos vivos.
E talvez isso baste.

 

Eu, entre a luz que invade e o canto que insiste,
me reconheço nesse limiar de quem escreve.
Não sou poeta por glória,
sou por necessidade de permanecer inteiro
quando o mundo tenta me fragmentar.

 

Já disseram que ser poeta é a maneira de suportar a solitude.
E eu compreendi isso antes mesmo de entender o verso:
escrevo não por escolha,
mas por sobrevivência.

 

Desejo o possível com fome de infinito.
Não busco o inalcançável nem aceito o vazio.
Transbordo entre extremos.
Quero tudo, ou um pouco mais, se couber em mim.

 

Minha sede não se apaga com mapas.
Minha vontade não tem nome.
Há um ímpeto em mim que se move,
mesmo quando tudo parece estático.

 

Às vezes, pareço flutuar a alguns centímetros do chão,
não por levitação,
mas por linguagem.
Sou sustentado por palavras que ainda não escrevi,
por pensamentos que amadurecem no silêncio,
por gestos que só a alma reconhece.

 

E quando tudo ao redor pesa,
escrevo.
Não com bravura,
mas com o fôlego de quem resiste
ao desgaste das horas.

 

Faço da escrita abrigo,
da poesia: alicerce.
Ela é minha pá para os escombros,
meu disfarce para os dias sem cor,
meu sopro em noites sem rumo.

 

Há quem diga muito sem dizer nada.
Mas há também, e é mais raro,
quem diga tudo no quase nada.
Manoel Barros sabia disso,
lá onde a terra se encharca de imaginação
e o solo aprende a ser palavra.

 

Mia Couto, nas margens do Índico,
não queria apenas sonhar,
queria ser sonho.
E eu entendo:
há um ponto em que a poesia deixa de ser linguagem
e se torna corpo que sente.
Como se o existir fosse verso encarnado.

 

É nesse limiar que me encontro:
vazio de som,
cheio de sentido.
Sou feito de pausas,
mas jamais emudecido.

 

Quero ser aquele que sonha,
que simula o real para revelá-lo,
que transforma silêncio em revelação.
Sou ausência que diz,
presença que sussurra,
poema antes mesmo da rima.

 

E se me é dado ousar nomear o indizível,
não por empréstimo de Clarice,
mas por minha própria urgência de sentido,
então afirmo:
o que desejo ainda não tem nome.
Mas pulsa.

 

E sigo.
Escrevendo.
Resistindo.
Acendendo pequenas luzes com palavras...
mesmo quando a escuridão tenta me desfazer.

 

WITTEMBERGUE MAGNO
Enviado por WITTEMBERGUE MAGNO em 30/08/2025
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