MAGNO RIBEIRO
O poeta é um fingidor, finge tão completamente, que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente
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Textos

Entre a Cruz e o Espelho

(livremente inspirada no poema “The Road Not Taken”, de Robert Frost)

 

 

Robert Frost, naquele bosque amarelo onde os caminhos se bifurcam como dilemas interiores, enxergou dois rumos.
E, como ele, eu também os vi.
Ambos me pareciam legítimos, desafiadores, possíveis.

Mas, diferente do que seu poema mostra ou talvez, parecido com o que ele silenciou, havia um terceiro.
Eu sabia que existia.
Mas nunca o considerei de verdade.
Talvez porque, sendo o caminho da maioria, ele não me dizia nada de novo.
Não havia ali tensão, profundidade, urgência.
Apenas um seguir automático.

Talvez Robert também o tenha visto,
mas o excluiu de sua dúvida inicial por instinto, por desprezo, ou por lucidez.
A verdade é que, entre os caminhos da consciência, o da maioria às vezes nem é opção: é fluxo.
E contra ele, ou se vai por inércia, ou se resiste.

Esse caminho amplo e previsível era o da repetição,
do conforto social, da vida organizada em torno de metas seguras.
Era o caminho da distração de si,
como dizia Pascal: o divertissement.
Onde nos ocupamos tanto para não pensar,
não sentir, não encarar.

Os outros dois, sim, eram escolhas.
Eram menos trilhados, não porque fossem obscuros,
mas porque exigiam demais,
um, muito.
O outro, tudo.

Num deles, o chamado era claro, quase urgente:
“Torna-te quem tu és.”
Nietzsche.
A voz da inteireza, da afirmação, da liberdade crua.
Esse era o caminho da conquista de si,
da identidade como obra.
Pedia lucidez, ruptura, coragem.
Recusava moldes e esperava criação.
E eu fui por ele.

No outro, o sussurro era mais doce e mais duro:
“Tome sua cruz e siga-me.”
Cristo.
O convite à renúncia, à entrega, à doação.
Não para se apagar, mas para se oferecer.
Não para morrer, mas para nascer de novo.

Um me chamava a ser tudo o que sou.
O outro, a abrir mão disso por algo maior.

Escolhi o primeiro.
Não com desprezo pelo outro,
mas por fidelidade a uma fome que naquele tempo era maior:
a fome de ser.

E esse caminho, embora áspero,
me deu densidade, intensidade, presença.
Fez de mim alguém atravessado por vivências reais,
não empurrado pela vida, mas moldado por ela.

Isso fez toda a diferença.

Impedido de ser uma sombra entre sombras,
tive dores que me lapidaram e encontros que me elevaram.
Fui autor do próprio enredo,
mesmo quando me perdi em algumas páginas.

Mas o outro caminho nunca se apagou.
Esteve sempre diante de mim.
Silencioso, persistente, paciente.

Hoje, volto, anos depois, à bifurcação.
Mas já não sou o mesmo de antes.
Estou mais inteiro, mais atravessado pelo tempo.
E vejo, com espanto e reverência,
que os dois caminhos menos trilhados continuam sendo os menos trilhados.
Talvez porque continuam exigindo tudo.
Talvez porque a maioria segue preferindo o fluxo.

E agora, sem mais dúvidas quanto ao caminho que já percorri,
pois o de Nietzsche já está inscrito em mim,
reconheço dois autores diante de mim:
Cristo, o autor e consumador da fé,
e Kierkegaard, que falou do salto, da angústia, da verdade como interioridade.
Ambos, de modos distintos, apontam para o mesmo:
é hora de deixar para trás a via da afirmação,
para escutar o chamado da fé.

Por isso mesmo, reconheço que fiz bem em ignorar o terceiro,
o da maioria, que jamais me exigiria nada além da obediência passiva.

Agora, chegado ao ponto em que o caminho escolhido se abriu outra vez em bifurcação, estou parado entre permanecer no primeiro rumo, o da afirmação,
ou seguir o outro, o da renúncia.
E aqui, não há euforia, nem medo:
há escuta.

Porque o que desejo não tem mais nome,
mas tem peso.
Tem alma.
E talvez tenha cruz.
E promessa.

Voltei à bifurcação.
Anos depois.
E aqui estou.
Ainda não dei o passo,
mas sinto que cada gesto meu se inclina na direção daquele outro caminho,
o que pede renúncia.

E mesmo tendo ouvido Nietzsche com atenção,
sei, com serenidade,
que Cristo jamais deixou de me acompanhar.

O que digo agora não é mais impulso,
é desejo ou prenúncio de uma entrega real.
Madura.
Ainda não iniciada,
mas já gestada.

Certamente essa escolha não cabe nesta crônica.
Talvez seja dita em outra.
Ou quem sabe num poema.
Ou ainda em qualquer gênero que só as palavras reunidas conseguem tocar.

E como já disse numa das minha prosas:
Nos territórios transitórios da vida,
Espero algum dia poder ouvir:
A tua fé te salvou!

 

 

WITTEMBERGUE MAGNO
Enviado por WITTEMBERGUE MAGNO em 30/08/2025
Alterado em 31/08/2025
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