Entre o Benefício da Dúvida e o Peso da Âncora
Wilde e Pascal diante da incerteza
Nas minhas muitas leituras filosóficas, sempre me chamou atenção o modo como diferentes pensadores se posicionam diante da incerteza. Entre tantas abordagens, desejei, ousadamente, traçar um paralelo entre dois que, à primeira vista, parecem irreconciliáveis: Oscar Wilde e Blaise Pascal.
Decidi então revisitar seus pensamentos, não apenas em busca de frases célebres, mas para tentar compreender como cada um deles sentia e compreendia o vazio, a dúvida e a ausência de garantias que a vida impõe a todos nós, de maneira ou de outra. Em comum, ambos tocavam, ainda que por caminhos opostos, a espinha dorsal da existência: a inquietude diante daquilo que não se pode controlar.
E foi nessa inquietude que percebi algo comum, não apenas aos pensadores, mas a todos nós.
Há quem viva como quem constrói fortalezas: tijolo sobre tijolo de certezas. São pessoas que acreditam que a firmeza do chão vem da previsibilidade, da rotina imune às surpresas, do plano traçado até o último detalhe. Há conforto nisso, sem dúvida. Mas será que há vida?
A verdade é que o mundo não se curva aos nossos mapas. A existência não se presta a ser linha reta, ela é curva, espiral, abismo e voo. Há algo de profundamente inquietante (e, por vezes, belo) em não saber o que vem depois.
Oscar Wilde, sempre encantado pelo ambíguo e pelo imprevisível, dizia que “a certeza é fatal. O que me encanta é a incerteza. A neblina torna as coisas maravilhosas.” E talvez ele tivesse razão: há um mistério vital no que não se vê claramente. A neblina, tão temida por quem anseia pelo controle, pode ser também uma pintura impressionista da realidade: borrada, mas cheia de alma. E não surpreende que o mesmo Wilde tenha escrito: “Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe.” Para ele, o risco era o combustível da verdadeira experiência e não a ausência dele.
Nem todos, no entanto, conseguem habitar o não saber. Pascal, em um lampejo de espantosa lucidez, descreveu o ser humano como um talo frágil, que se dobra com o vento, mas que pensa. Sua frase mais célebre ecoa ainda hoje: “O homem não é senão um caniço, o mais fraco da natureza; mas é um caniço pensante.” Essa consciência da própria fragilidade o fez desconfiar do barulho do mundo. Em outra ocasião, afirmou: “A infelicidade dos homens provém de uma única coisa: não saberem permanecer em repouso dentro de um quarto.” Sua visão não era niilista, mas profundamente perturbada pela agitação da alma humana diante do silêncio do infinito.
A certeza paralisa. A incerteza movimenta.
Toda criação nasce do “talvez”. A arte, o amor, a ciência, os encontros inesperados, todos eles surgem onde não havia promessa, apenas possibilidade. A certeza quer controle. A incerteza convida ao risco e é do risco que brota o que é genuinamente humano.
Mas aqui cabe uma pausa. Uma suspeita, quase um incômodo.
Talvez quem defenda o encanto da neblina seja, na verdade, alguém que nunca teve a luz inteira do dia. Talvez Wilde tenha elogiado o vago porque o nítido o rejeitou. E talvez eu mesmo, ao escrever tudo isso, esteja tentando transformar minha própria desorientação em beleza, porque o contrário seria enlouquecedor.
E Pascal? Não estaria ele fazendo o mesmo? Ao dizer que o homem é um caniço pensante, não estaria também tentando dar sentido à própria finitude, envolto por sua fé, por sua razão angustiada, por noites silenciosas de lucidez triste? Talvez sua filosofia não fosse apenas descrição da realidade, mas uma súplica mascarada de análise, um esforço para dignificar a dor de não saber, com as armas que lhe restavam: a razão e a fé.
Wilde e Pascal. tão distintos, mas igualmente humanos. Um, esteta das sensações, fez da dúvida um perfume; o outro, místico da razão, fez da dúvida um alerta. Ambos viveram em desequilíbrio, mas legaram a nós dois modos de não sucumbir ao absurdo: pela leveza estética ou pela gravidade metafísica.
E nós? Talvez devêssemos parar de buscar certezas absolutas ou neblinas eternas. Talvez a vida nos peça menos rigidez, e menos encantamento também. Um pouco de chão, um pouco de bruma. Um pé na terra e outro no abismo.
Nem toda certeza é prisão. Nem toda dúvida é liberdade.
Viver, no fim das contas, talvez seja isso: não se entregar por inteiro a nenhum dos dois lados. É saber acender a lanterna quando escurece, mas também saber apreciar o que só a penumbra revela.
Porque há beleza no que se vê.
E há mistério no que não se vê.
E entre uma coisa e outra, seguimos frágeis, pensantes, e vivos.
É claro que minha percepção é a de um investigador ousado, e posso, inclusive, estar equivocado em minhas conclusões. Mas gosto de pensar que, ao menos, houve sinceridade no esforço e coragem no olhar. E isso, talvez, já seja de alguma forma estar entre o benefício da dúvida e o peso da âncora.